quinta-feira, 15 de novembro de 2007

O mercado institucional

"O mercado institucional não é uma zona de deixar-fazer"

O mercado institucional se distingue do mercado manchestérien no sentido em que, se ele é zona de "deixar-passar", ele não é uma zona de "deixar-fazer". Seus autores sabiam que "deixar-fazer", era expor o mercado aos empreendimentos de interesses privados que, assim que ele teria "feito", convergiriam a "desfazer" [....] Mas eles também sabiam que a supressão das barreiras da alfândega, imprimidas por séculos de existência nas realidades econômicas e humanas, suscitaria, sejam quais forem as vantagens que a meio e longo termo ela devesse provocar, resistência vivas, fundadas no temor das transformações que ela iria impor e na extensão de suas conseqüências sociais. Eles pensaram que para dar alguma chance de ratificação ao projeto deles, era preciso, através intervenções diretas, atenuar ao máximo àquelas e fazer um peso extremo nas feridas que as outras poderiam causar. [....]
A marca principal do mercado institucional é seu realismo imobiliário. Ele não abandona nada das aspirações legítimas do libre-échange. Ele sabe que os benefícios a esperar - e particularmente o melhoramento do nível de vida que ele visará - terão bem mais amplitude na medida da extensão, geográfica e econômica, da zona de livre escolha que ele institui. Mas seus autores atribuíram-se por tarefa, não um expositivo de teoria econômica, mas uma ação verdadeiramente "política", convergindo a obter resultados concretos, em prazos aceitáveis. [.....]
Ao "deixar-passar" total, eles preferiram um mercado limitado ao domínio geográfico no qual a criação das instituições - sem as quais o mercado não poderia existir nem durar - era politicamente possível. Ao "deixar-fazer total, eles preferiram o deixar-fazer limitado por intervenções que lhe dariam a chance de ser moralmente aceitável e politicamente aceitável. Mas na lógica do sistema deles, eles só quiseram intervir através procedimentos respeitando o mecanismo dos preços.
Eles agiram nas causas e nos efeitos das variações de preço, mas tiveram o cuidado de nunca prejudicar a livre formação deles no mercado. O mercado institucional é dessa maneira a realização e o coroamento do esforço de renovação do pensamento liberal [.....] que, com o nome de neoliberalismo, ou de liberalismo social, verdadeiramente socialismo liberal, conscientizou-se, progressivamente, de suas aspirações e dos métodos apropriados para satisfazê-las. Se o mercado institucional se distingue do mercado mancherstérien, não em seus objetivos, mas nas suas técnicas, é porque ele se estabelece em um ponto de vista totalmente diferente da evolução das sociedades humanas. Para os liberais da antiga observance, a liberdade é, para o homem, o estado de natureza. "O homem nasceu livre, e por toda a parte geme agrilhard", se indignava Rousseau, há dois séculos atrás. Se nós queremos restituir ao homem a liberdade perdida, não é preciso fazer nada, mas apenas desfazer as entravas que o privaram dela. Para o neoliberal, ao contrario, a liberdade é o fruto, lentamente obtido e sempre ameaçado, de uma evolução institucional, fundada em milenares experiências dolorosas e de intervenções religiosas e morais, políticas e sociais. Ao contrario de Rousseau, ele pensa que a grande maioria dos homens nasceu prisioneira dos grilhões, e só o progresso das instituições pode liberta-la e só a libertou até agora de maneira muito parcial.
Liberais e neoliberais têm uma fé idêntica nos benefícios da liberdade. Mas os primeiros à espera de uma geração espontânea, que é preciso apenas não comprometer, enquanto que os segundos querem desapertá-la, aumentá-la e desenvolvê-la, tornando-a aceitável e afastando dela os empreendimentos que têm uma tendência constante a aniquila-la.

- Oeuvres Complètes, Tome 1, De l'Aube au Crépuscule - Jacques Rueff, Plon, 1977.


Mercado institucional

Jacques Rueff (1896 - 1978) deu à renovação do pensamento liberal uma contribuição determinante provando, através vastos estudos teóricos, a importância do mecanismo dos preços e dos fenômenos monetários como elemento de ordem em uma sociedade de libre-échange e de livre empreendimento. Sua dupla formação de polytechnicien e de inspetor das finanças lhe permitiu de ser ao mesmo tempo um pratico e um teórico. Como prático ele foi, em 1958, o criador do novo franco. Como teórico, ele explorou as partes essenciais e sutis da formação dos preços e da criação monetária, e isso em dois livros essenciais: Théorie des phénomènes monétaires (1927) e l' Ordre social (1945)


O mecanismo dos preços

Ele demonstra neles que a atividade aparentemente desordenada de uma multidão de agentes econômicos que produzem, trocam, consomem, é submetida a leis e talvez estudada com os mesmos métodos de analise que os empregados na mecânica, na física ou na astronomia. Exemplo: em economia como em física, existem relações entre pressão e volume (pressão da demanda no volume da oferta) e os preços que resultam delas traduzem essa relação.
Por isso a importância do mecanismo dos preços, que interfere como regulador natural das trocas e da atividade econômica. Isso significa que existem, em economia, leis tão permanentes quanto às leis que regem a física. Rueff re-descobre então, mas através o rigor da área científica dessa vez, o famoso conceito de "ordem natural" caro ao pensamento dos physiocrates.
O mecanismo dos preços e as leis que o governam pertencem então a uma ordem natural que importa respeitar "sous peine" de falsificar o conjunto da maquina. A liberdade dos preços, da mesma maneira que a obrigação de velar a uma irrigação monetária sem excesso, "natural", de todos os limites econômicos são, para Jacques Rueff, dois imperativos categóricos, como mostra o texto acima onde ele opõe duas noções de mercado. O "mercado manchestérien" tira seu nome da cidade inglesa de Manchester, o centro no século XIX da revolução industrial. Esse tipo de mercado, que traduz a posição dos antigos liberais ingleses fortemente apegados ao livre-échange, é um mercado dirigido integralmente e sem limites pelo duplo preceito do "deixem fazer, deixem passar" (Vincent de Gourmay) - o que, a termo, pode ser fonte de anarquia e de injustiças (por exemplo, deixando se criar concentrações que falsificam a concorrência). Rueff prefere uma outra concepção do mercado, a que é dita do "mercado institucional", de qual as primeiras pedras foram colocadas em 1957 pelos fundadores do Mercado comum de quem ele faz justamente referência no texto acima.


Justiça e eficacidade

Enquanto os adeptos do mercado manchestérien pretendiam que a liberdade é suficiente para tudo, mesmo para reparar os males causados pela própria liberdade, os novos liberais como Jacques Rueff pensam que a liberdade econômica deve ser organizada. É preciso fixar-lhe um contexto, para conciliar eficacidade e justiça. Mas a uma condição imperativa: que não se toque nos mecanismos fundamentais da economia que pertencem ao domínio de ordem natural.
Assim Rueff queria, com o estabelecimento do étalon-or - mecanismo natural segundo ele, de regulação das trocas internacionais - subtrair a moeda das influências políticas (e eleitorais) dos governos. É o que será realizado mais tarde, mas de uma outra maneira, com o euro, de qual a gerência foi confiada a um banco independente.

- Gérard Minart, autor de Frédéric Bastiat, le croisé du libre-échange (L'Harmattan, 2004)


Etalon-or (Gold Standard em inglês)

Sistema monetário no qual a unidade de conta ou étalon monetário corresponde a um peso fixo do ouro. Nesse sistema, toda emissão de moeda se faz com uma contrapartida e uma garantia de troca em ouro. A igualdade do valor de troca das moedas fixadas com relação ao ouro e as taxas de troca são estáveis entre os países participantes. O ouro constitui assim uma moeda internacional, que serve de instrumento de reserva para os bancos centrais. O sistema do étalon-or foi aplicado de 1879 até os anos 1930.

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