segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A Vontade - Schopenhauer

" O que deve nos descobrir a essência de toda coisa "

Eu dou ao conceito de vontade uma extensão maior do que a que foi dada até agora. Reconhecer o que é idêntico nos fenômenos diversos, e o que é diferente nos semelhantes, voilà bien, Platão sempre disse, uma condição para filosofar. Pois até agora não tinha sido reconhecido que a essência de toda energia, latente e ativa, na natureza, era idêntica à vontade, e considerava-se como heterogêneos os diferentes fenômenos, que sò são as espécies diversas de um ùnico gênero; o resultado é que também não podia ter nele uma palavra para exprimir o conceito desse gênero. Eu então denominarei o gênero de acordo com a espécie mais perfeita, de qual o conhecimento fàcil e imediato nos conduz ao conhecimento indireto de todos os outros. Mas, para não se encontrar parado por um perpétuo mal entendido, é preciso saber dar a esse conceito a extensão que eu reclamo para ele, e não se obstinar a compreender sob essa palavra apenas uma das espécies de vontade que ele designou até hoje, àquela que é acompanhada de conhecimento. [.....]


- O Mundo como Vontade e como Representação, livro II, &22- Schopenhauer- Trad. A. Burdeau ( 1909 - 1913 )





A palavra "vontade" designa o que deve nos descobrir, como uma palavra màgica, a essência de toda coisa na natureza, e não de uma coisa desconhecida, ou a conclusão indeterminada de um silogismo. È alguma coisa de imediatamente conhecida, e conhecida de tal maneira que nòs sabemos e compreendemos melhor o que é a vontade do que tudo que nòs quisermos. Até agora nòs consideramos o conceito da vontade sob o conceito de força; é todo o contràrio que eu quero fazer, e eu considero toda força da natureza como vontade. Que isto não seja compreendido apenas como uma discussão de palavras, uma discussão ociosa; ela é, ao contràrio, da mais alta significação e da maior importância. Pois, em ùltima anàlise, é o conhecimento intuitivo do mundo objetivo, quer dizer o fenômeno, a representação, que é a base do conceito de força; é disso que ele tem sua origem. Ele vem desse domìnio onde reinam a causa e o efeito, quer dizer da representação. Ao contràrio, o conceito da vontade é o ùnico, entre todos os conceitos possìveis, que não tenha sua origem no fenômeno, em uma simples representação, mas venha do fundo mesmo, da consciência imediata do indivìduo, na qual ele se reconhece ele mesmo, na sua essência, imediatamente, sem nenhuma forma, mesmo aquela do sujeito e do objeto, considerando aqui que o "connaissant" e o "connu" coincidem.


- Idem -




A vontade, como coisa em si, é, como nòs tinhamos dito, fora do domìnio do princìpio de razão, sob todas as suas formas, ela é, por conseguinte, sem razão, se bem que cada um de seus fenômenos seja completamente submetido ao princìpio de razão; ela é completamente independente da pluralidade, se bem que suas manifestações no tempo e no espaço sejam infinitas. Ela é uma, não na maneira de um objeto, de qual a unidade sò é reconhecida pela oposição com a pluralidade possìvel, também não na maneira de um conceito de unidade, que sò existe por abstração da pluralidade.
Mas ela é como alguma coisa que està fora do espaço e do tempo, fora do princìpio de individualização, quer dizer de toda possibilidade de pluralidade.

- Le Monde comme Volonté et comme Représentation, livre II, ch. 23 - Schopenhauer - Tra. A. Burdeau ( 1909 - 1915 )




A Vontade, essência ùltima do mundo



Schopenhauer funda todo seu pensamento na distinção entre o fenômeno e a coisa em si, que ele interpreta como oposição entre aparência e realidade, entre superfìcie e profundeza, ou entre casca e caroço.
Toda dificuldade consiste então para o filòsofo a ter acesso a esse nùcleo do mundo, que parece por definição desconhecido nessa qualidade que o dissimula. O toque de gênio de Schopenhauer consiste a ver que, se eu conheço o mundo pela minha consciência, eu também sou uma parte do mundo - em outros termos: se pela minha consciência eu estou na surface do real, eu sou pelo meu corpo mergulhado na sua profundeza.
A pedra de Rosette é uma stèle de granito encontrada no Egito, sobre a qual um mesmo texto està escrito em hiéroglyphe, em demòtico e em grego: o estudo desse texto permitiu a Champollion, passando do conhecido ao desconhecido, de décrypter a lìngua dos faraons. O corpo é para Schopenhauer um pouco como a pedra de Rosette: ele me dà um mesmo texto ao mesmo tempo na lìngua do conhecimento e na lìngua da vivência. Dessa maneira eu vejo, do exterior, o movimento de minha mão se locomover no espaço, mas ao mesmo tempo eu sinto, do interior, meu pròprio corpo agir dele mesmo. Então se a consciência me dà a coisa como representação, o corpo me faz experimenta-la como vontade. A vontade, escreve Schopenhauer, é "a essência ùltima do mundo".





" Uma palavra màgica"



Trata-se do conceito mais inovador de seu pensamento: o primeiro texto acima tenta justificar seu emprego, e precisar o senso. Primeiro existe um problema de método: como é possìvel de identificar, por um conceito ùnico, a essência do que é portanto além dos conceitos, e que então deveria ficar incompreensìvel ? Schopenhauer nota imediatamente que sem essa identificação pelo conceito, simplesmente não existe filosofia: o verdadeiro problema é de encontrar o bom conceito. Ele então afirma que o conceito de vontade é o mais apto a nos abrir as portas do mundo em si: se o corpo é "milagre por excelência", a vontade é " uma palavra màgica".
Mas o conceito de vontade deve ser compreendido em um novo sentido. Não se trata mais de vontade de um sujeito individual, que se determina a agir pela causa e pelo motivo: indivìduo, causa e motivo são conceitos pròprios da razão, e o objetivo aqui é de alcançar a realidade além da representação. A vontade não tem aqui nada do ato refletido de um sujeito consciente, ela é a impulsão fundamental, a energia original pela qual toda coisa é o que ela é. Ela não designa nada de especìfico ao homem, mas descreve a natureza profunda do universo. È preciso então cuidadosamente distingui-la do conceito de força: esse ùltimo pròprio à fìsica clàssica, ainda depende do princìpio de razão: a força é apenas um fenômeno da vontade.




O universo sem os sentidos


A vontade é dessa maneira o fundo impulsor do mundo, o impulso inconsciente que faz que cada coisa quer ser o que ela é. Ela é por essência além da razão: é o que permite a Schopenhauer, no segundo texto, de defini-la de maneira negativa, pelo o que ela não pode ser. Individualidade, pluralidade, espaço e tempo são estruturas pròprias à representação, elas não podem caracterizar a essência do mundo: a vontade é dessa forma uma potência ùnica, sem razão e sem objetivo, fora do espaço e do tempo. Com Schopenhauer, o universo perde dessa maneira seu sentido, e torna-se fundamentalmente absurdo.


J.V.

Nenhum comentário: